quinta-feira, 20 de março de 2008

Satisfação Literária

“...No jardim, Clara ressurgia a meu lado, plena de vida, sussurrando algum segredo. Meu pai desaprovou o encontro. Nem liguei. Enquanto punha meu braço na cintura dela, beliscava-lhe as nádegas fartas. Ela gostava. Ah! Como sorri bonito. Claro, eu acharia um jeito de roubar-lhe um beijo, sem que o marido desconfiasse. Era só preciso cuidado. Sabia-o ciumento, capaz de desvarios.
- Você parece um noivo – piscou – ainda pensa em casar?
- É muito difícil encontrar outra igual. – Enfiei meus dedos entre seus cabelos louros.
- Ainda gosta de mim?
Confirmei com a cabeça. Meu pai e seus mortos estavam com pressa. Atraíam-me à rua.
- Como vocês vivem? – voltei a olhar para a porta. Vi o marido na janela, mordendo os lábios.
- Estamos separados há um ano. – Ela baixou os olhos, disfarçando a lágrima denunciadora. – Sempre desconfiou de ti e fez de nossa vida um inferno.
Será que ainda gostava dele?
Desabafou:
- Quero o desquite, mas ele recusa. E não sai do meu pé.
- Então posso ter esperanças?
Consentiu com um sorriso. E antevi o que era ir ao céu.
Ouvi meu pai dizer qualquer coisa parecida com “agora é muito tarde”. Os parentes pálidos fizeram um silêncio intenso, gelado. Retruquei meu pai: eu casaria com ela, de qualquer jeito. Mataria o marido, brigaria com o mundo, faria qualquer coisa para ter Clara comigo e recuperar o tempo. Ninguém me impediria.
Meu pai estendeu-me suas mãos:
- Vem comigo!
O estampido muito próximo ecoou em meus ouvidos. Parecia um míssil em chamas que me atravessava a cabeça. O branco do céu tingia-se de vermelho, enquanto um sono doloroso pesava em minhas pálpebras. Ainda vi Clara correndo pra mim, chamando meu nome, nua, na praia de Garopaba, no verão de setenta e quatro. Em meus lábios um beijo de areia quente, com gosto de água salgada.”

Esses dias, sem ter o que fazer, procurando um livro para ler peguei um, quase ao acaso, na estante de casa. O Paraíso é no Céu de Sua Boca. Walmor Santos. Um livro de contos. Conforme fui lendo, fui me interessando. Estava naqueles dias em que precisava de uma boa leitura. Quando li o conto descrito acima (Clara nua, chamando meu nome) cheguei ao ápice da minha satisfação. Fechei o livro e fui dormir. Nada como estar satisfeito literalmente.

*. Encontrei alguns contos de Walmor Santos na Revista Malagueta que, a propósito, tem mais alguns textos e crônicas interessantes.

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