sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Civilidade

Ferve-me o sangue quando alguém diz que vivemos num mundo civilizado. A maioria das pessoas pensa que somos mais evoluídos do que alguém que viveu no século XIX pelo simples fato de vivermos no século XXI. Como se evoluíssemos pelo simples fato de o tempo passar. O mundo é demasiado selvagem e a cada dia que passa piora. Não existe mais respeito. Não existe lugar seguro. Estamos cercados de trogloditas.

Ontem estava com alguns amigos tomando aquele chimarrão gelado (que não escrevo o nome por não saber como se escreve) e jogando conversa fora. Todos tranqüilamente sentados na sombra da varanda de uma residência de família. Não representávamos ameaça alguma para quer que fosse.

Mas parece que não era bem assim. Fomos interrompidos no meio de uma conversa por uma besta selvagem embriagada, com seus tentáculos envoltos numa garrafa de cerveja e cuspindo despautérios relacionados a um amigo da volta. Algo ridículo. Do tipo: você estava me olhando quando eu passei, quero ver você me encarar agora. Tudo, é claro, no seu idioma precário e submisso. Como se fosse costume observarmos animais embriagados e sujos. O animal raivoso era ridículo. Deveria ter um metro e sessenta. Uns trinta quilos. Completamente embriagado. Talvez minha poodle desse conta dele. Estava acompanhado de outros dois animais em condições “menos precárias” que ele. Seus dois companheiros tentavam inutilmente fazer com que o troglodita parasse com seu showzinho. Enquanto isso observávamos toda aquela cena e meu amigo se desculpava sem, sequer, saber por quê. O grande espetáculo acabou com o troglodita arremessando o recipiente de sua bebida contra nós. Não sei se atirou para acertar ou errou devida sua condição lastimável.

O que restou após o fato? Nada. Esqueça. Acabou. Foi-se. Caso você acredita em alguma coisa, esqueça. Não vale a pena. Vivemos no esgoto do mundo, cercados por fezes fedorentas. E como fedem. Essas fezes são incapazes de viver em harmonia com seres que tenham um mínimo de civilidade. Isso é o retrato do nosso tão civilizado mundo.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Natal

Alguém ainda agüenta a Simone cantando: "Então é natal..."

Natal feliz só sem Simone.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Matador

“Nunca fez gols. Nunca dominou bem. Nunca acertou um passe.” Disse Diego, amigo do Beto. Ao seu lado, Beto ri à toa. Marcou vários gols, dominou todas, não errou um passe sequer. “Sou matador.” Respondeu Beto.

Diego não sabia que Beto realmente era matador. Há um tempo atrás, antes de conhecer Diego, Beto era artilheiro, camisa nove. Guardava todas. Jogava no time da cidade onde morava e era famoso por seus gols. Nos jogos da cidade era ovacionado pela torcida. Principalmente pelas mulheres. Fazia sucesso com todas. Mulherengo, assim como todo artilheiro. Não marcava gols só nos gramados. Quanto mais gols, mais mulheres. Quanto mais mulheres, mais gols. Passava a noite com as mulheres e se tivesse jogo no outro dia, chegava cedo, o rosto inchado, mas era só entrar em campo para marcar gols e correr feito um touro. Matador.

Hoje está casado. Joga menos. Trabalha mais. Parou com as noitadas. Ainda não está totalmente fora de forma, mas já não corre como antes. Os gols é que sumiram juntamente com as mulheres. Sobrou só uma. Sua esposa. Tem uma vida estável. Foi domesticado. Um ambiente péssimo para um matador.

Beto sente falta das mulheres e de seu bom futebol. Na verdade, sentia. Há alguns dias atrás conheceu uma garota. Vinte anos. Universitária. Pele branca como a neve e belas formas. Começou a sair com ela. É novamente um selvagem. Um novo homem. Ou melhor, é um velho homem. O velho homem. Voltou a marcar gols, dominar e dar passes certeiros. O prazer ilícito fez renascer suas qualidades. Afinal, ele é um matador.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Consultório

Detesto consultórios. Os odontológicos então... A tortura começa na sala de espera. Você chega, senta e aguarda. Pessoas em sua volta lêem revistas do tempo da ditadura, fazem de conta que estão interessadas e esperam. Mas quando não protagonizam esse fingimento o caso é pior. Você olha pra pessoa. A pessoa te olha. Até o inevitável comentário do tempo, da CPMF que não passou ou do futebol. No meu caso foi a primeira opção. E, por azar, peguei um expert no assunto. O cara devia ter uma central meteorológica em casa. Falou dos ventos, da umidade e dos erros da previsão apresentada na televisão. Por sorte fui chamado antes de ele começar a falar do El Niño e sua influência no clima da América do Sul.

Entrei, sentei na cadeira e lá passei a hora seguinte da minha vida com a boca aberta, um estranho mexendo nos meus dentes e falando, inutilmente, comigo. Mantendo a educação eu resmungava alguma coisa e levantava a mão quando a maldita anestesia não funcionava. Ah, como seria mais simples se não precisasse passar por isso.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Verdade Mundana

"O dinheiro é a coisa mais importante do mundo. Representa: saúde, força, honra, generosidade e beleza, do mesmo modo que a falta dele representa: doença, fraqueza, desgraça, maldade e fealdade."

Schopenhauer, Artur

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Melancolia Voraz

A melancolia da decepção é, talvez, a pior de todas. A melancolia tomou conta de mim, como um veneno conduzido pelo sangue, espalhando-se rapidamente pelo corpo. Nem tudo acontece como quero. É evidente. Mas quando a coisa mais simples não ocorre, parece que a decepção é muito maior. O fato mais esperado que de tão esperado nem esperava mais. Praticamente nem pensava nisso. Era assunto resolvido antes de se resolver. Tamanha era a simplicidade do fato e a certeza do acontecimento que me derrubou de uma maneira muito mais intensa que muitos fatos infinitamente mais importantes na minha vida.

Minha decepção veio diante da notícia que não foi dada, foi percebida. Ficar calado diante do que não tem o que falar é agoniante. Meu espírito, em meio a tudo isso, entregou-se à melancolia. Deveria ter feito diferente? Deveria ter feito mais? Menos? Devo me matar ou matar meu algoz? Nenhuma das alternativas resolve. O que torna tudo mais melancólico. Meu dia é melancólico. Meu semblante é melancólico. Minha noite será melancólica. Apesar de sequer ter perdido uma batalha, perdi a guerra. Meus soldados desertaram e me encontro sozinho no campo de batalha, já dando as costas ao inimigo que invade o território inesperadamente feliz e orgulhoso.

Preciso de uma injeção de ânimo que não sei onde encontrar, em que farmácia comprar. Está tudo certo. Tudo tão decepcionalmente certo que me entrego à melancolia de estar certo sem estar. Um simples desgosto acabou com meu ânimo. Humilhou meu exército e o fez desistir da luta. Meu dia se tornou amargo. Preciso de algo. Uma palavra, um fato ou um ato. Algo que me faça sair desta inércia e voltar ao trabalho, à ação. Algo que não espero, seja bom, seja ruim, seja péssimo, mas seja inesperado.